120 anos de muita saúde em São José do Calçado! Conheça a história secular de Dona Maria.
Em 27 de outubro de 2023 os dados do Censo 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelaram que o Brasil tem mais de 37 mil habitantes com mais de 100 anos.
Em uma escala de um (1) a dez (10), qual é a probabilidade de alguém nascido 16 anos após a abolição da escravatura estar vivo e navegando na ‘internet’? O matemático Oswald José Levy de Souza, aquele do programa do Fantástico, teria dificuldade para analisar se estivesse na ativa. Não sou matemático, mas até que se prove contrário, nenhuma chance.
Um papel registrado em cartório, entretanto, desafia esta probabilidade. Bem-vindo ao universo da Dona Maria Miranda de Assis, que completa 120 anos. Arredondando: 43.832 dias incluindo os 32 anos bissextos. Afinal, desde o seu nascimento, houve a transição de 30 presidentes no Brasil.
Dona Maria, longe de ser internauta, não navega e nunca aprendeu a nadar (um trocadilho com duplo sentido para alegrar o texto), e combinando a fala com as risadas sem titubear fala um pouco de sua trajetória. E que trajetória, sobretudo quando se considera que a expectativa de vida no Brasil, atualmente, é de 75,5 anos, conforme o IBGE.
Natural de Cachoeirinha de Rio Pardo, na Região do Caparaó Capixaba, veio ao mundo em 17 de fevereiro de 1904. Sol quente ou chuva não se sabe, só sei que foi em uma quarta-feira. Já imaginou quantas quartas-feiras como aquela se passaram para ela?
Antes que os internautas questionem a cidade de nascimento da centenária, esclareço que depois de 31 de dezembro de 1943, Cachoeirinha de Rio Pardo passou a ser chamada “Irupi”, nome de origem indígena que significa “amigo belo” e “águas tranquilas pequenas”. A localidade foi elevada à categoria de município, com o mesmo nome, pela Lei Estadual Nº 4.520, de 16 de janeiro de 1991. Explicação detalhada demais... Até pareço o saudoso Pedro Teixeira...
Ela conta que tem 15 irmãos, no presente mesmo, para representar a expectativa de que algum esteja vivo. Os seus pais, Francisco Tomas de Assis e Antônia Pereira de Azevedo, nasceram no Estado de Minas Gerais. Sobre o passado, diz que sua vida nunca foi fácil (mais espinhos que rosas), mas contrariando todas as probabilidades sobreviveu às muitas tempestades da vida.
“Aos três anos fiquei sem meu pai, que faleceu. Aos sete anos fui adotada por outra família ficando sobre os cuidados dela até completar 21 anos, idade na qual me casei com Cândido Rangel Miranda, em Cachoeirinha de Rio Pardo (ES). Depois do casamento mudei-me para São José do Calçado (ES), que na ocasião era um capoeirão com uma pequena fila de casas. Tivemos 12 filhos.
Meu único companheiro faleceu em São José do Calçado (ES), aos 15 de setembro de 1991. Foi um domingo triste. Nunca mais me relacionei com outro homem. Apesar de todos os altos e baixos de qualquer casamento, agradeço a Deus pelos 12 filhos biológicos, dos quais apenas dois ainda estão vivos, pelos 32 netos, 40 bisnetos e seis tataranetos”, relata a centenária.
Maria Azevedo de Assis (nome de solteira) sempre colocou a fé à frente de tudo. Se um livro sobre ela fosse lançado, seu autor exploraria primeiro sua infância sequestrada pelas atividades do campo. Isso mesmo, internautas. Atualmente as crianças brincam com seus modernos celulares. Há 120 anos, entretanto, era comum para crianças conhecer o preparo da terra, plantio e colheita de grãos, bem como o sol e o frio cortante na colheita do café, onde não é Big Brother Brasil, mas sempre tinha uma cobra espionando pronta para o bote.
"O nascimento de meu primogênito foi o dia mais feliz de minha vida. A morte de 10 de meus filhos é a parte mais triste. Não posso esquecer-me da morte de meu tataraneto diferente, o meu cão de três patas, Bob. Diariamente acordo cedo e faço alguns afazeres. O médico, em novembro de 2018, me aconselhou a não descer mais os três morros para ir aos cultos da Igreja Universal do Reino de Deus, como fazia diariamente, exceto aos sábados", enfatiza Dona Maria.
NÃO CHEGOU A VER
Vamos voltar no tempo, para a quarta-feira de 04 de maio de 2011, aqui na Cidade Simpatia Entre Montanhas e Flores. Um dos filhos de Dona Maria, Cândido de Assis Rangel, de apenas 54 anos, no final de tarde, pediu a um repórter dos jornais Aqui Notícias e Folha do Caparaó que guardasse um exemplar do jornal que sairia na manhã seguinte, trazendo o especial “Dona Maria e Bob: dois exemplos de superação”. Acontece que poucas horas depois, por volta das 6h, Cândido se sentiu mal em sua residência, em São José do Calçado (ES), e faleceu vítima de Infarto. Foi um baque para a idosa, que em 2011 já tinha 107 anos.
Com tanta idade, a Academia Brasileira de Letras (ABL), responsável por incluir palavras no dicionário oficial da Língua portuguesa, terá que incluir o nome Dona Maria como novas palavras (risos).
No último sábado (17), a idosa celebrou seus 120 anos na igreja Adventista do Sétimo Dia de São José do Calçado (ES). Apesar de sua idade, Maria gosta de cozinhar e ir à igreja (não a pé, se não o médico zanga), atividades que ainda realiza.
Sobre suas muitas lembranças e experiências, acumuladas ao longo de mais de um século, Dona Maria prefere guardar as boas do que reviver as tristes. Ela conta que sentiu na pele as consequências do preconceito, ainda mais por ser neta de uma indígena da tribo Puri, mas avalia que hoje ele é muito menor do que no século passado; sobre os 15 irmãos que sabe que tem, e dos quais não se pode afirmar se há algum vivo, a idosa prefere se referir a eles sempre no presente; a respeito de seus 10 filhos falecidos, os quais o tempo não pode trazer de volta, Maria Assis, viva e forte, nutre a esperança de que um dia possa reencontrá-los no outro lado da vida.
Imagens: Serginho Oliveira
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